Imagine que você chegou cedinho ao escritório. Quando já cumpriu metade das tarefas que tinha se programado para fazer, o lugar está quase cheio de funcionários. Mas aí a porta se abre: é aquele empregado mais jovem, que nunca chega no horário. Se seu primeiro pensamento é que ele não é suficientemente comprometido, pode estar enganado. Para Tamara Erickson, especialista em liderar equipes de trabalho com múltiplas gerações, o hábito de horários é um dos aspecto que diferencia profissionais de diferentes idades. E existem muitos outros. Mas segundo ela, isso não tem nada a ver com competência.
Professora de Comportamento Organizacional na London Business School, Tamara está entre as pensadoras de gestão mais influentes do mundo, segundo a lista Thinkers 50. Nesta semana, ela vem ao Brasil discutir o tema no Fórum HSM de Liderança e Alta Performance, que será realizado em São Paulo. Para ela, o erro mais comum nesses casos é presumir que todo mundo quer o que você quer. “O primeiro passo é entender que isso não é verdade”, afirmou em entrevista a Época NEGÓCIOS. “Sou motivada na minha carreira por coisas muito diferentes das que uma pessoa mais jovem pode achar atraente. E presumir que eles querem fazer exatamente o que eu quero, sem conversar com eles, é um erro.”
A especialista explica por que o maior desafio de trabalhar com múltiplas gerações é se livrar de preconceitos — isso inclui achar que o funcionário atrasado não se esforça. E fala sobre o que motiva cada geração, além da melhor forma de lidar com elas.
As gerações que temos hoje no ambiente profissional têm uma ideia diferente do que é um bom lugar para trabalhar?
Na maioria dos ambientes de trabalho, nós temos pelo menos três gerações atuando juntas. Uma é a de pessoas por volta dos 50 e 60 anos, geralmente chamadas de boomers, porque nasceram em uma época em que a taxa de natalidade estava subindo em várias partes do mundo. Há também a geração X, de gente entre 35 e 50 anos. E temos ainda um grupo de trabalhadores mais jovens, abaixo dos 35 anos, que nós chamamos tanto de geração Y quanto de Millennials. Evidentemente, nenhuma dessas linhas de divisão é definitiva, existe uma pequena mistura nos anos de transição. E sim, essas três gerações têm de fato visões bem diferentes em relação a muitos aspectos de suas vidas — incluindo o trabalho e preferências profissionais. Muitas dessas diferenças têm origem nos anos de formação. Em outras palavras, quando eles eram mais novos, os acontecimentos aos quais assistiram influenciaram as coisas com que se importam e o que valorizam. É por isso que hoje têm opiniões tão diferentes.
O que cada uma delas espera do trabalho?
As gerações mais velhas cresceram em uma época na qual hierarquia e empresas eram duas coisas muito respeitadas. Nós tendemos a honrar pessoas em posições mais altas e temos confiança em instituições. Já quando olhamos para a geração mais nova, vemos que são mais céticos em relação a empresas em si. Eles se questionam se podem mesmo confiar nelas, se elas cuidarão deles, se não deveriam ser mais independentes para não ter de contar quanto com elas, se estão de fato aprendendo algo, aumentando o valor deles no mercado por meio do aprendizado, se serão empregado por aquela única instituição durante muitos e muitos anos. Ou seja, mudamos a ênfase do alinhamento completo com as instituições para um senso muito mais de “como desenvolver a mim mesmo e ter certeza de que sou bom para o mercado”.
Qual o maior desafio de fazer com que essas gerações, que pensam de maneira tão diferente, trabalhem bem juntas?
Acredito que seja descartar opiniões antecipadas. A pior coisa é julgar mal as intenções de outras pessoas. Afinal, elas se comportam de maneira diferente da que nós esperamos. Um exemplo clássico: alguém mais novo que chega ao escritório nem sempre exatamente às 8h30, às vezes às 9h ou um pouquinho mais tarde. É muito fácil um profissional mais velho dizer que aquela pessoa não é comprometida, não trabalha duro. Mas ele não reconhece que talvez aquele jovem possa estar trabalhando duro também, só que tarde da noite, de casa ou em um horário diferente, que ele prefira. O fato de termos diferentes hábitos de trabalho no que se refere a horário pode fazer com que um grupo acredite que o outro não é comprometido com a empresa, quando na verdade essa não é uma interpretação justa. Então, acho que se afastar desses julgamentos é que é o mais importante.
Qual a geração com que os empregadores têm mais dificuldade de lidar?
Provavelmente é a geração Y. Em geral, ela é conhecida por falar mesmo, dar a opinião dela. Os pais incentivaram isso. A gente diz para eles que são capazes de fazer muito, então são confiantes para expressar a própria opinião. Por isso, são um pouco mais difíceis de “controlar” no trabalho, no sentido de cumprir ordens muito específicas. Porque eles terão opinião em relação a elas. Mas se você é o tipo de empresário que está disposto a ouvir e trabalhar com pessoas que virão com entusiasmo e novas ideias, acredito que estará fazendo um ótimo negócio contratando trabalhadores jovens.
Qual a melhor forma de se comunicar com essa geração mais jovem?
Eu diria que se comunicar com frequência é o mais importante. Eles gostam de ter interação, porque aprendem mais por meio de coaching e mentoria. Gostam quando recebem um problema e são desafiados a trabalhar naquilo, mas têm outros colegas disponíveis para ajudá-los no processo. A maioria deles prefere trabalhar desse jeito a ser mandado para aulas de treinamento por três meses, em que têm de seguir passos específicos para atingir o resultado. Eles gostam de pensar sobre o assunto e apresentar maneiras novas de fazer aquilo. Isso requer que você se comunique com eles frequentemente, tanto para ficar sabendo o que eles estão fazendo quanto para oferecer apoio.
Por que muitas pessoas alimentam a ideia de que essa geração não é comprometida?
Tem a ver com o fato de que eles são muito sensíveis ao hoje. Se você parar para pensar, cresceram em um mundo no qual coisas terríveis aconteceram. Viram atos de terrorismo e violência, coisas que eram bem difíceis de processar. Como consequência, querem aproveitar o presente ao máximo. Porque não dá para saber como será o amanhã. Se você transfere isso para o ambiente de trabalho, eles querem ter certeza de que estão fazendo algo importante, significativo e desafiador. Em contrapartida, os empregadores dão para eles tarefas bem entediantes. Aí, fica fácil descobrir por que falta entusiasmo. O segredo para engajá-los é atribuir a eles atividades mais significativas. A questão que fica às empresas é como vão reestruturar o trabalho para que os mais jovens o considerem desafiador.
Em um grupo com gente de muitas idades, como um líder estimula uma cultura que engaje profissionais de todas as gerações?
O que é bem interessante com base na minha pesquisa é que muitas práticas ou políticas corporativas têm apelo a todas as idade. Só que por razões diferentes. Pense, por exemplo, na possibilidade de ter mais flexibilidade de horários. É uma ideia que atrai tanto pessoas mais novas quanto mais velhas. Pessoas que têm filhos gostam porque podem passar mais tempo com a família. E trabalhadores mais jovens preferem trabalhar de maneira mais flexível. Do ponto de vista corporativo, acredito que você pode adotar medidas populares para diferentes gerações.
E quais são os erros mais comuns que empregadores cometem na hora de lidar com pessoas de idades diferentes?
Provavelmente o erro mais comum é presumir que todo mundo quer o que eu quero. Eu, o líder. É natural pensar que se algo é bom para a gente também será para outras pessoas. O primeiro passo é entender que isso não é verdade. Sou motivada na minha carreira por coisas muito diferentes das que uma pessoa mais jovem pode achar atraente. E presumir que eles querem fazer exatamente o que eu quero, sem conversar com eles, é um erro. Nem todo mundo quer o que você quer.
Em meio à crise, companhias preferem recorrer a talentos mais jovens, porque são mais baratos. A geração Y está pronta para liderar?
É uma pergunta complicada, tem muitas dimensões. Em primeiro lugar, eles estão dispostos a assumir papeis de liderança? Sim, em geral, estão. Mas também depende um pouco do que nós entendemos que um líder precisa fazer. No passado, costumávamos definir liderança como ter todas as respostas. Era alguém que ficava diante da equipe e dizia qual caminho seguir. Claramente, alguém mais novo não terá essa capacidade. No entanto, acredito que liderança hoje é criar ecossistemas em que muitas pessoas possam colaborar juntas para chegar a uma solução. E muitos jovens da geração Y são bons em criar ambientes colaborativos. Então, de novo, depende da sua visão do que um líder tem de fazer. Eu poderia dizer que eles estão prontos ou que não estão.
O conceito de aposentadoria está mudando com as gerações?
Bem, eu espero que sim. Precisa mudar. As taxas de natalidade têm caído substancialmente e a expectativa de vida só sobe. Isso resulta em um país com poucos jovens e uma quantidade maior de pessoas mais velhas. Então, encontrar maneiras de fazer com que os mais velhos sejam produtivos economicamente será muito importante para o sucesso. E sim, as pessoas veem a aposentadoria de um jeito diferente. No passado, enxergavam na aposentadoria uma oportunidade de descansar. Já as gerações mais novas, por outro lado, começam a olhar esse momento como uma chance de mudar de atividade.
E como essa queda na taxa de natalidade deve afetar as empresas em alguns anos?
Haverá um impacto bem grande. Como se sabe, alguns setores são bem dependentes de funcionários mais novos. Essas empresas terão um grande desafio pela frente: não haverá tantos jovens. E se você quiser atraí-los, precisará de práticas de recrutamento e retenção muito boas para conseguir gente de qualidade.