Não... você não vai ler uma notícia dos anos 60, 70.... A história de vestibular e de profissão de Juliana Moreno aconteceu depois da virada para o século 21. Por incrível que pareça ainda existem profissões em que a mulher é discriminada, mesmo sendo muito boa no que faz. Não consegue estágio, não consegue emprego porque as pessoas consideram que aquele é um serviço de homem. Impressionante numa época em que as mulheres dirigem caminhões, tratores, pilotam, são engenheiras, executivas e assumem nada menos que o posto mais alto do Brasil, a presidência da República.
Juliana Moreno Oliveira se define como “cubista, filha, noiva, amo, sou amada, sou boa em resolver problemas”. Mas o problema do preconceito com a sua profissão, a tecnóloga em redes de comunicação admite que não é muito fácil de resolver, pois depende não apenas dela, mas da mudança de visão do mercado.
Juliana conta que sempre gostou muito de matemática, mas não queria ser professora porque as suas experiências não a agradaram muito. “Amo os números, adoro resolver problemas matemáticos, contas e mais contas, mas eu tinha dificuldade em explicar, em transmitir o que eu sabia”, diz.
No final do terceiro ano do ensino médio, Juliana conta que sentiu aquela pressão de prestar vestibular. “O desespero de ter que passar em algum lugar me levou a prestar vestibular em diversas universidades e para cursos diferentes”, explica,
Decidiu se inscrever nas faculdades de Goiânia, onde mora. Assim prestou bacharelado em matemática na UFG, licenciatura em matemática na PUC, e Redes de Comunicação no IFG. “Meu amigo Éder fazia esse curso e me disse que era da área de exatas, mais voltado para informática, mas também tinha muita conta”, comenta.
Não conseguiu ser aprovada para bacharelado em matemática, por isso resolveu cursar Redes de Comunicação no IFG e licenciatura em Matemática na PUC. No primeiro mês já sentiu a diferença entre os dois cursos.
Enquanto no curso de matemática da PUC as matérias do primeiro semestre eram bem básicas para igualar o nível dos alunos em português, matemática básica e matérias de licenciatura, em Redes de Comunicação da IFG começou com matérias sobre limite, derivada. “Isso me encantava, matriz, vetores, circuitos elétricos, estatística... esse era o meu mundo”, afirma.
. Percebeu que não conseguiria levar os dois cursos naquele ritmo e que teria que abrir mão de um. “Decidi abandonar matemática porque os cálculos do curso de Redes eram fantásticos e eu não poderia abrir mão deles”, ressalta.
HOMENS E MULHERES – Juliana lembra que os professores da IFG elogiavam a turma de Redes porque nunca tinham visto tantas mulheres no curso: 7 em 30 alunos.
“Muita gente entra nesse curso enganada. Acha que é um curso de comunicação, algo parecido com jornalismo, ou acham que é um curso bem tranquilo, só de informática, que basta gostar de facebook”, alerta. Mas definitivamente esse não é o caso.
Juliana conta que o curso de Redes de Comunicação estuda as redes pelas quais é possível estabelecer comunicação: redes de computadores, rede de telefonia fixa e rede de telefonia móvel. “Tem muito cálculo, é muito puxado e gostar de facebook não quer dizer nada”, avisa.
No primeiro ano as matérias do curso são basicamente matemática e muita gente desiste ou reprova em várias e acaba ficando para trás. No segundo ano, restaram 11 alunos e apenas uma mulher: Juliana.
Somente no último ano vieram as matérias específicas do curso, na área de informática. “Embora não tivéssemos muitas matérias de cálculo, comecei a gostar bastante da área de segurança de redes de computadores, redes industriais, sistemas inteligentes. A informática estava me conquistando cada dia mais”, relembra.
Já no fim do curso, veio a primeira grande dificuldade. Juliana viu que precisava estagiar, precisava cumprir as horas de estágio, mas não conseguia arrumar vaga nas empresas. “Ninguém queria contratar uma mulher para a área de informática!”, conta.
E quando contratavam, ela diz que era somente para programadora. “Eu não queria programar, não gostava disso”, revela. Muitas empresas já divulgam a vaga com o “sexo masculino” como pré-requisito. “É um absurdo!”, fala indignada.
Depois de correr muito atrás e por ter boas notas, Juliana diz que conseguiu estágio na companhia de energia de Goiás, a CELG, mas não na área que queria. Foi trabalhar com telefonia. Juliana diz que era “aquele rapaz” que instala internet e telefone. E numa repartição pública havia muitas mudanças de sala e de prédio.
“Eu instalava telefone, remanejava ramal telefônico, puxava cabo pela parede, subia escada, testava telefone... Percebi que o mercado ainda não está preparado para receber nós mulheres na área de informática”, avalia.
Após formada só restava duas alternativas: continuar na área acadêmica ou prestar concurso público. Iniciou mestrado, mas não gostou. Hoje, aos 23 anos, estuda para concurso, aprendeu a dar aulas particulares, ministra oficinas de cubo mágico e continua resolvendo problemas, mas lamenta. “Ouvimos muito que a área de informática está em expansão, que está contratando muito, que a tendência é informatizar tudo e para isso precisa de profissional qualificado. Éverdade! Mas só funciona se você for do sexo masculino. Isso não tem valor se você for mulher”, afirma com toda autoridade.
. Até mesmo um amigo de Juliana, que é empresário da área de informática, admite que não a contrataria. Ele disse: “você é muito delicada, eu não teria coragem de deixar você carregar computador, é melhor um homem”.
“Infelizmente há um preconceito muito grande ou um cuidado exagerado. Ora não aguentam nos ver carregando peso, ora acham que não somos boas suficientes para lidarmos com a parte pensante, gerenciamento de redes, segurança de redes, etc.”, fala irritada.
“Deve haver em alguma parte desse país uma mulher bem sucedida nessa área, torço para que sim. Mas ela teve que lutar muito e ainda assim deve ganhar menos do que o colega que ocupa cargo semelhante”, imagina.
Quando encontra mulheres que querem se aventurar num curso de informática e não querem ser programadoras, Juliana diz que vai logo falando que para ser bem sucedida será preciso ser concursada. “Se for mulher e quiser muito fazer algum curso de TI (tecnologia da informação), se prepare! A vida não é fácil e para você vai ser ainda mais difícil. Mas saiba que o mundo não está de marcação com você, é esse mercado que ainda não está preparado para nos receber”, finaliza.